• Lévi-Strauss outra vez

    Lévi-Strauss outra vezHá alguns dias assisti ao delicioso filme Yesterday, que conta a história de Jack Malik, o único ser na terra a se lembrar dos Beatles. Depois de um acidente, Malik acorda num mundo no qual esse grupo nunca havia existido, suas músicas não eram conhecidas e...bom, não vou contar mais nada para não estragar o fim. Porém, na continuidade lógica dos fatos, tudo o que estava diretamente ligado à existência dos Beatles também não existia.

    Comecei, então, a imaginar o mundo atual sem a existência de alguns grandes personagens que admiro. E como eu tinha acabado de terminar - depois de três anos! - o livro Lévi-Strauss de Emmanuelle Loyer, pratiquei esse exercício com ele. Como considerar a antropologia sem os estudos americanistas dos quais Lévi-Strauss foi um dos precursores? Como imaginar a evolução do pensamento antropológico sem a reviravolta do olhar sobre o lugar das sociedades ocidentais no mundo provocado por ele, no qual, até então, uma visão hierárquica subentendia que todas as sociedades seguiam uma trajetória evolucionista comum no fim da qual o modelo ocidental seria o Santo Gral, colocando todas as outras sociedades numa espécie de anacronismo permanente? Como pensar nas pesquisas etnológicas sem ter em mente o estabelecimento de um olhar distante e das teorias estruturalistas? A lista de sua contribuição é muito longa e vão muito além do aporte teórico, sua contribuição institucional também é grande, inclusive com a criação do Laboratório de Antropologia Social.

    Nesse post, eu gostaria, contudo, de prestar homenagem a Emmanuelle Loyer por seu livro e pelo trabalho de pesquisa gigantesco que ela realizou para redigi-lo. Pois através da biografia de Lévi-Strauss, foi a história da antropologia que ela retraçou. Ela descreve com detalhes os primeiros anos do jovem professor cuja trajetória é inevitavelmente influenciada pela História com um H maiúsculo, em particular a dos judeus nos anos 1930, que o levou ao Brasil, marco decisivo em sua vida e, mais tarde, aos Estados Unidos, que também terá uma grande importância na amplitude que adotará seu trabalho no mundo anglo-saxão e seu alcance internacional. A autora conta também os bastidores de sua nominação no Collège de France, as brigas egoicas, as rivalidades pessoais e, principalmente, o que mais me impressionou, ela expõe as teorias levantadas em cada um de seus livros, assim como as contra teorias e polêmicas engendradas pelos mesmos no período de sua publicação. Ela contextualiza cada momento de sua existência com detalhes sociológicos e históricos numa cronologia pontuada de idas e voltas. É como se, em seu livro, Emmanuelle Loyer humanizasse o monumento Lévi-Strauss e desse ao homem uma aura patrimonial.  

    Quando estudei etnologia na Universidade Lumière em Lyon, já havia assimilado a importância da contribuição de Lévi-Strauss a essa disciplina, mas não imaginava, até ler esse livro, o quanto ela foi fundamental e fundadora. Através dele, compreendi o quanto seu pensamento foi inovador, admirado, mas também criticado, e gostaria de afirmar, por iniciativa própria, que ele foi de uma extrema lucidez premonitória quando se constata o estado do mundo de hoje.

    Os três anos necessários para a leitura de Lévi-Strauss devem-se a sua densidade e ao desejo que ele desperta de ler ou reler alguns de seus textos a fim de verificar um detalhe que pudesse ter me escapado. Eu mergulhei outra vez em meus estudos etnológicos, com uma certa nostalgia, lamentado que Emmanuelle Loyer não o tivesse escrito vinte anos atrás, pois é certo que eu me sentiria um pouco menos perdida nas aulas magistrais do Professor Verdier.

    Lévi-Strauss, par Emmanuelle Loyer, Flammarion, 2015.

    Obs.: Em 2016, quando havia começado a ler esse livro, eu havia escrito um pequeno post sobre ele: Lévi-Strauss

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