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Crescer sem mãe
Domingo passado foi dia das mães no Brasil. As redes sociais estampavam dezenas de mensagens sobre o amor de mãe, pipocavam declarações afetuosas de filhos e filhas para suas mães, aqueles que ainda as têm e podem dizê-lo, e os que já não as têm e expressam a dor da ausência. Tento manter-me estoica diante disso, mas é sempre inevitável pensar na minha.
Faz quarenta e cinco anos que ela deixou de existir, pelo menos na face visível da terra (já que ninguém sabe para onde vamos depois da morte e, como boa agnóstica que sou, acredito em tudo e em nada, até que me provem o contrário). Sei que perder a mãe faz parte do ciclo da vida, mas é sempre uma dor dilacerante, em qualquer idade. Aos quatorze anos, é cedo demais. Não posso falar do que acontece com as pessoas que as perdem em outras idades, mas na adolescência, o estrago é profundo e duradouro. Senti-me como um projeto inacabado, um rascunho que não teve tempo de ser passado a limpo, um esboço de gente. Eu era o próprio Edward com suas mãos de tesoura.
Foi quando tornei-me mãe que me dei conta da profundidade do que a vida me privou (a mim e às minhas irmãs). Ela me negou um amor imenso que não cabe na gente, incondicional e puro. Ela arrancou de mim o que eu tinha de mais precioso naquele momento, meu pilar, meu referencial, meu chão, a continuidade de quem eu era e os pontos que estavam faltando para eu me tornar um adulto soberano. O adulto no qual eu me tornei tem um defeito de fabricação irreparável.
Não me lembro mais do momento em que entendi que ninguém viria consertar os danos, colar os cacos quebrados e que caberia a mim retificar o tiro. Fui então levando a minha vida sem estrela-guia, com minhas mãos de tesoura, desajeitada e desesperada, ferindo-me e machucando a mim e aos outros mais do que devia. Aos trancos e barrancos, fui progressivamente construindo um sistema de valores próprio, sem contexto e sem limites impostos, mas sempre com o desejo de estudar, aprender e tornar-me independente transmitido por minha mãe durante aqueles parcos quatorze anos. Afinal, o protótipo de adulto iniciado por ela tinha um estêncil sólido e marcou-me a ferro quente.
Hoje posso dizer que depois de domar o furacão que se abateu sobre mim na adolescência, mantive-me fiel a seus ensinamentos e ao seu mantra de sempre colocar-me no lugar dos outros. Errei muito, mas passados quarenta e tantos anos, acho que estou começando a acertar, embora permaneça viva e latente a vontade louca e insaciável de um colo.
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