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O ninho vazio
Aqueles que me conhecem sabem que passei da infância à idade adulta sem transição. Não tinha nem vinte anos quando comecei a trabalhar para pagar meu aluguel, meus estudos, alimentar-me e vestir-me. As circunstâncias particulares do início da minha vida fizeram de mim uma pessoa independente e livre, isenta de referências sociofamiliares. Meu feminismo surgiu neste ímpeto, espontaneamente, da necessidade de me proteger e me impor diante de uma sociedade hierárquica, patriarcal e machista como a brasileira. Ele manifestou-se na prática antes de se inscrever na teoria. E até hoje, concebo o feminismo como o respeito inerente a qualquer indivíduo e não como uma busca de igualdade entre homens e mulheres. Reivindico direitos iguais apesar das diferenças. Porque estas diferenças existem. E foi na maternidade que o meu feminismo sofreu alguns danos.
Não creio que a maternidade (em sua percepção atual) e o feminismo sejam incompatíveis, o “mito da mãe admirável”, denunciado por Élisabeth Badinter, felizmente parece já ter sido desconstruído como visão dominante. Mas acredito que, apesar das vozes discordantes, a dependência financeira possa ser um fator de incompatibilidade ou, na melhor das hipóteses, desequilibrar posicionamentos que deveriam ter o mesmo peso quando um depende do outro num relacionamento a dois. E foi justamente a biologia feminina manifesta numa placenta prévia que me obrigou a ficar deitada durante os seis últimos meses da minha gravidez e me levou a um período de dependência econômica. Adeus emprego, colegas, almoços no centro da cidade, um trabalho do qual gostava e a prática de esporte pelos próximos anos, que seriam marcados pela dedicação total e exclusiva ao meu filho: morávamos longe de nossas respectivas famílias e não havia disponibilidade na creche da cidade.
O que dizer, então, dos quesitos psicológicos e emocionais? Como conciliar uma independência emocional conquistada a duras penas e o aprendizado necessário para domar esse sentimento estranho que nos invade como um tsunami com a chegada deste novo ser: o ser mãe? Entre a imagem de uma maternidade água-com-açúcar idealizada onde tudo é divino e maravilhoso e aquela que ressalta as dificuldades reais encontradas para equilibrar diversas identidades que se misturam, o exercício é complexo e muitas vezes a gente se perde no caminho.
O primeiro exercício consiste em entender e aceitar que um serzinho indefeso depende totalmente de você para viver, que se alimenta através do seu corpo nos primeiros meses e que nos próximos quinze anos todos os seus atos mais anódinos terão um impacto direto ou indireto sobre ele. Seu cotidiano vai se construindo marcado pelas diferentes fases da vida deste ser que precisa e quer você por perto até que, um belo dia, essa rotina já bem rodada, envolta no cheiro de biscoito saindo do forno, para sem aviso prévio: o quarto fica vazio, a sala arrumada demais e a cozinha muito limpa. O silêncio é ensurdecedor. Nosso novo papel consiste, agora, em desaprender, de um dia para o outro, o que se levou tempo para construir e aceitar uma mudança no estatuto de indispensável para o de inconveniente. Para mim, este processo está sendo longo e doloroso.
Porém, não vejo, à minha volta, muitas mulheres perceberem-no assim, e a literatura que encontrei a este respeito não é extensa. Seria eu a única a vivenciá-lo desta forma? Comecei a me perguntar se o fato de assumir que se sofre pelo ninho vazio seria revelador de um certo esmorecimento de um feminismo reivindicado. Se seria antinômico com a plenitude individual feminina. Se seria incongruente com uma vida profissional satisfatória. Se seria, enfim, admitir vulnerabilidades. Seria este um tema tabu?
Há alguns anos, a cantora Madonna disse que a gravidez era uma grande piada de Deus com as mulheres. Eu diria que, muito mais que a gravidez, o que representa um grande paradoxo para as mulheres que, por escolha ou não, tornaram-se mães, consiste em ter que se esforçar para se distanciar voluntariamente de alguém que se queria ter por perto e ter que aprender a viver um cotidiano sem esse amor puro e profundo.
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