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As pequenas mortes da vida
Embora a palavra luto em português também defina um sofrimento ou desgosto, ela é comumente associada à perda física de alguém. Aqui na França, seu equivalente em francês, deuil, tem uma utilização mais ampla, esse termo é frequentemente usado para se referir ao que deve ser deixado para trás. Na minha compreensão da expressão "faire le deuil", revela-se a sábia ideia de aceitar o que não pode ser mudado.
Nossas vidas estão repletas de momentos assim, que foram maravilhosos e nos quais estávamos (ou pensávamos ser) felizes, mas que por razões independentes da nossa vontade não existem mais. Não temos outra escolha senão aceitar que permanecerão no passado e seguir em frente. Pois apesar dessa ruptura não ser dramática ou tão dolorosa quanto à irremediável perda física de alguém, as lembranças desses momentos, pessoas e lugares que somos obrigados a deixar para trás podem nos machucar - e muito.
Esse sentimento se impôs a mim recentemente quando me deparei com a foto do meu filho pequeno. Olhei para aquele bebê e senti saudades dele, sentimento estranho, pois meu filho estava ali, ao meu lado, em carne e osso. Teoricamente esse adolescente de hoje é o mesmo menininho de dez anos atrás. Mas na prática não é: o relacionamento, o lugar que ocupo na vida dele, a visão que ele tem de mim, não são absolutamente os mesmos. Tenho que fazer o luto daquele momento da minha vida de mãe e de tudo o que aquele período representava. Meu papel agora é olhar para a frente, dando-lhe autonomia e independência para que meu filho voe com as próprias asas. É o grande paradoxo da maternidade: quanto melhor se cria um filho, mais alto ele voa e muitas vezes para bem longe de nós.
Fiquei tentando entender porque é tão doloroso. Afinal, assim é a vida, todos crescemos, evoluímos e não somos os mesmos de dez anos ou mesmo um ano atrás. Por que então pensar em meu bebê me traz uma doce amargura? A resposta finalmente é simples e profunda: por que somos obrigadas a desatar um nó bem amarrado, sair desses parênteses encantados no qual o apego à nossa cria, que nos invade selvagemente e libera nossos instintos animais, nos colocou. Esses mesmos instintos que lutamos para dominar durante toda nossa vida social, principalmente nos papeis que revestimos como mulheres, podadas por exigências e regras morais muito mais estritas que as dos homens. Com a maternidade reconstruímos uma identidade dominada por um amor profundo, bestial, dessa vez totalmente autorizado e até mesmo legitimado pela sociedade (contrariamente a outras formas de amor), sem as barreiras que fomos obrigadas a construir. Nesse espaço suspenso e provisório um serzinho indefeso e totalmente vulnerável depende de nós. Devemos protegê-lo e defendê-lo contra os numerosos males da vida. É muito fácil se acostumar com essa liberação afetiva que toca nosso âmago e desperta emoções até então insuspeitadas, sem autocensura, aprendendo a lidar com a ideia de uma constante solicitação e da necessidade que esse serzinho tem da nossa presença. É um período da nossa vida em que nos sentimos valorizadas e amadas como nunca antes, nosso papel ali é central, essencial e até mesmo vital. Nesse curto espaço de tempo tornamo-nos, enfim, importantes para alguém, nosso ego é alimentado cotidianamente nessa relação que implica resignação e doação, mas cujo retorno é imediato porque nos é devolvido envoltos de uma rara pureza.
E tudo isso se desmorona repentinamente, como chegou. Na adolescência toda essa devoção tão simples de construir, com nossas tripas, deve ser racionalmente desconstruída. Nosso papel agora consiste no extremo oposto do que vinhamos fazendo até então, devemos nos tornar desnecessárias, ensiná-los a se virar sozinhos, dizer-lhes que não devem mais depender de nós e mostrar-lhes que são capazes disso. Instala-se uma luta feroz entre a vontade louca de tê-los sempre por perto, eternamente agarradinhos como naqueles primeiros anos mergulhados num afeto genuíno, fora desse mundo-cão, e a imprescindibilidade de torná-los independentes... e livres. Eis aqui a resignação suprema: ajudá-los a deixar o ninho e observá-los entrar num mundo hostil andando pela rua escura e levando com eles um pedaço da nossa alma.
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