• Traduzir Mylène Desclaux

    Traduzir Mylène Desclaux

    O título que dei a este post não é exato, pois sugere a existência de um único estilo Desclaux. Porém, a escritora francesa Mylène Desclaux nos mostrou dois estilos muito diferentes de escrita nos dois livros que publicou até o momento.   

     

    O livro que traduzi para a editora Haryon, As jovens mulheres de 50 anos, foi a transposição de seu blog Happy Q - le blog des jeunes femmes de 50 ans. O texto é informal, divertido, pontuado por trocadilhos e é também muito heterogêneo na forma e no conteúdo, pois aborda assuntos leves e profundos, engraçados e tristes, dirigindo-se a seus leitores (e particularmente a suas leitoras) como se estivessem numa conversa familiar e, em alguns trechos, íntima. Já o seu segundo livro, Gala et moi, publicado em junho deste ano, é um romance cheio de ternura, escrito com muita reflexão e delicadeza.   

     

    E foi justamente esse tom de conversa informal de As jovens mulheres de 50 anos que me deu muito pano pra manga. Em primeiro lugar, como mencionei acima, pelos muitos trocadilhos, ditados e expressões idiomáticas que não tinham equivalentes em português. Tive que ser criativa para traduzir o sentido respeitando a forma. Mas, acima de tudo, por esse livro, mais do que qualquer livro acadêmico que traduzi, ter me obrigado a tomar decisões não muito óbvias no que diz respeito às referências culturais que a autora relaciona aos diferentes momentos das nossas vidas.   

     

    Também traduzido para o inglês, entendi, pelo título dado pela editora americana, que a escolha editorial baseou-se numa abordagem cultural do texto, destacando a nacionalidade da autora e, provavelmente, as características específicas da cinquentona francesa. Não li a versão inglesa do livro, mas é isso que o título Why French Women Feel Young at 50 sugere.   

     

    No Brasil, optamos por uma abordagem diferente: não nos baseamos no que nos diferencia, mas, ao contrário, no que nos une como mulheres, nas nossas similaridades, sem apagar, é claro, as particularidades do contexto sociocultural da escritora. Apostamos na identificação das leitoras brasileiras com os argumentos colocados pela autora. E isso incluía a porção nostálgica, a evocação da memória, principalmente quando a escritora rememorava sua juventude pelos hits musicais de então. E para que as leitoras brasileiras pudessem se transportar de volta à sua juventude com a mesma intensidade que a autora, adaptamos algumas referências ao nosso universo cultural, pois aquelas citadas pela autora não tinham apelo afetivo ou qualquer significado emocional no Brasil (deixando as originais no pé de página).  São apenas duas frases do livro, mas que me impediram de dormir diversas noites. 

     

    Optamos por essa abordagem por que, no Brasil, mais que em muitos outros países, a música desempenha um papel central na vida pessoal das mulheres brasileiras. Nossos artistas compuseram a trilha sonora das nossas histórias de amor, de eventos importantes, de momentos únicos que deixam marcas indeléveis. Quando ouço Meu erro do Paralamas do sucesso, posso sentir, nas minhas entranhas, a alegria das noites festivas do verão carioca com meus amigos surfistas com os quais escrevi um capítulo maravilho da minha própria novela.     

     

    Estas escolhas não são anódinas e são sujeitas a críticas. Mas tenho a certeza de que contribuirão para que as leitoras brasileiras percebam que, para além das (muitas) diferenças socioculturais que separam uma paraense ribeirinha de uma parisiense do 16° arrondissement de Paris, todas nós vivenciamos momentos de profunda alegria e  tristeza, reconhecemo-nos na melancolia trazida pelo ninho vazio, assustamo-nos com as mudanças físicas observadas em nosso corpo no decorrer de nossas vidas e tememos o envelhecer. Em suma, para que descubramos, juntas, a força e a  fragilidade da humanidade que nos aproxima.   

    As jovens mulheres de 50 anos, lançamento em breve no Brasil pela editora Haryon.

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