• A axiologia sob Jair Bolsonaro

    A axiologia de Jair BolsonaroEm alguns dias, um novo presidente tomará posse no Brasil. Em diversos posts que publiquei no Facebook, comentei o quanto essas eleições foram marcantes para a sociedade brasileira para muito além do seu aspecto puramente político. Elas representam um real divisor de águas, pois o candidato eleito não veio modificar a ideologia política com a qual vai governar, ele já está modificando a axiologia da sociedade brasileira. 

    A axiologia seria, grosseiramente, o conjunto de valores que predominam numa sociedade. Em toda sociedade, existem diversos valores que coabitam, pessoas com opiniões, gostos e hábitos diferentes vivem juntos num mesmo espaço social. Porém, alguns valores predominam sobre outros, determinando o que seria correto ou errado, devido ou indevido e, em última instância, o que representa o bem e o mal num determinado grupo social. 

    O "viver junto" não é simples em sociedade nenhuma, e é por isso que existem regras e leis. Como diz o velho ditado, "a liberdade de um começa quando termina a do outro". Todos os grupamentos humanos evoluem, o que era indevido num determinado momento numa sociedade específica pode tornar-se correto, o que era um delito se banaliza e deixa de ser delito, e o que era uma ato comum pode tornar-se um crime passivo de prisão.  

    O sociólogo alemão Norbert Elias descreve em seus diversos livros o que ele chama de processo civilizatório ocorrido nas sociedades ocidentais da idade média até aos anos 1980. Esse processo inclui, entre outras coisas, o controle de nossas pulsões agressivas, inerentes ao ser humano, para o estabelecimento de uma sociedade respeitosa das diferenças no modo de ser, de pensar e agir de cada um. Esse autocontrole se complexifica conforme os grupamentos sociais evoluem, a tendência a um domínio cada vez mais refinado e sutil de si mesmo se torna indispensável para evitar a informalidade excessiva característica de uma sociedade permissiva. Norbert Elias era descendente de judeus e conheceu a barbárie da Alemanha nazista. Ele sabe do que fala.

    A vida em sociedade exige, assim, o autocontrole de cada um, custe o que custar. Esse autocontrole seria a condição sine qua non para uma sociedade harmoniosa e pacífica, para a viabilidade do viver junto. E é precisamente esse autocontrole que o novo presidente brasileiro veio quebrar ao produzir um discurso isento de filtros sociais ao hierarquizar hábitos, ao criticar diferentes modos de ser e de pensar, ao recriminar grupos específicos e classificar a sociedade que pretende governar pela cor da pele, lugar de nascimento, fé religiosa e preferências sexuais simplesmente por serem diferentes do que ele considera como certo. E, principalmente, ao fomentar a violência como a resposta para todos os males. Essa violência, cujo controle se encontra no centro do processo civilizatório, torna-se, sob seu governo, legítima.

    O novo presidente, ao legitimar a violência, o racismo, o sexismo e a discriminação social, considerados até então comportamentos sociais desviantes do que seria politico-socialmente aceito, reposiciona-os como valores válidos. Desde o início de sua campanha, um tabu civilizatório foi quebrado, o que era errado e indevido banalizou-se e vem tornando-se, pouco a pouco, os valores dominantes na sociedade brasileira. É através desses valores que a sociedade brasileira será vista e reconhecida dentro e fora do território nacional. São esses mesmos valores que se encontram no centro do processo civilizatório contra a barbárie e que têm sido combatidos desde a idade média nas sociedades ocidentais. 

    Quando o grande escritor alemão Stefan Sweig chegou ao Brasil nos anos 1940, ficou fascinado com o que encontrou. Ao escrever que o Brasil seria o país do futuro, Sweig referia-se a nossa tão proclamada democracia racial que se opunha à Alemanha nazista de então, cujo arianismo se construía como valor dominante. Espero profundamente que a nova axiologia bolsonariana não encontre um terreno fértil, e que o meu Brasil, aquele descrito por Sérgio Buarque de Holanda, cantado por Dorival Caymmi e defendido por humanistas do mundo inteiro, continue a se escrever com S até ao fim de seu mandato. 

     

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