• Nosso cérebro original

    A Festa de Babette é, para mim, um dos filmes mais poéticos de todos os tempos. Aqueles que não o assistiram ainda, corram para ver esse filme sensível. É a história de uma grande chefe de cozinha parisiense que foge da repressão instaurada com a Comuna de Paris em 1871 e se instala na costa dinamarquesa. Ela começa a trabalhar como doméstica para duas senhoras protestantes que se alimentam essencialmente de sopa e pão seco. Nessa comunidade puritana, a gulodice é um pecado capital. Quando Babette ganha na loteria, ela oferece um banquete digno de um grande restaurante estrelado aos moradores da comunidade com seus ganhos. Eles, por sua vez, combinam de não se deixarem enfeitiçar por essa refeição que consideram diabólica, mas o prazer gustativo os invade, eles deixam a mesa com uma expressão de felicidade em seus rostos. 

    A questão do prazer de comer sempre me interpelou por diversas razões. Como sou uma grande gulosa, eu e meu amigo Pedro tínhamos discussões intensas sobre o assunto, pois ele buscava sua elevação espiritual através do jejum e criticava, delicadamente, meu desejo carnal de gula. Eu logo pensava na festa de Babette e dizia para mim mesma que não era a única, que meu prazer culpado era compartilhado.

    A ciência vem hoje trazer respostas a meus questionamentos espirito-carnais em um surpreendente documentário que foi, mais uma vez, sugerido por meu amigo Omar, difundido no canal franco-alemão ARTE e cujo link se encontra abaixo. Há tanta informação nessa reportagem que falarei, agora, daquelas contidas nos primeiros doze minutos de difusão e voltarei mais tarde, em outro post, para abordar o conteúdo restante.

    Nosso estômago seria um condensado de inteligência que contém duzentos milhões de neurônios, o equivalente do cérebro de um pequeno animal de estimação, e centenas de bilhões de bactérias. É, assim, um órgão inteligente e sensível que deve decompor o alimento em minúsculas moléculas, o que requer uma grande potência nervosa. Os pesquisadores o chamam de segundo cérebro. Porém, para Michel Neunlist, pesquisador no Inserm de Nantes, o estômago seria nosso cérebro original, o primeiro cérebro e não o segundo, pois os organismos primitivos, pluricelulares, eram compostos simplesmente de um tubo digestivo, e foi dentro desse tubo que o sistema nervoso entérico se desenvolveu. Foi para se alimentar melhor que a evolução desenvolveu o outro cérebro, o que conhecemos como tal.

    O surgimento do encéfalo coincidiu com o dos olhos e das orelhas, úteis para procurar comida. Sem essa divisão de tarefas, passaríamos nossa vida digerindo. Ela foi feita com a domesticação do fogo, que tornou a digestão mais fácil através do cozimento dos alimentos que agem como uma pré-digestão, economizando dezesseis vezes mais energia, tornando o desenvolvimento do cérebro de cima possível.

    Contudo, essas tarefas são separadas somente teoricamente, já que os dois sistemas nervosos são conectados pelo nervo vago e conversam permanentemente, pois ambos utilizam os mesmos neurotransmissores, dentre os quais se encontra a serotonina. Ora, acontece que no cérebro de cima, a serotonina é a substância associada ao bem-estar, e no estômago - o cérebro de baixo, ela é associada ao trânsito intestinal e à regulação de nossos sistema imunitário. 95% da serotonina presente em nosso corpo é produzida no estômago, mais precisamente no tubo digestivo, e é em seguida liberada no sangue, provocando uma ação principalmente no hipotálamos, a zona que administra as emoções. 

    Todos já sentimos um friozinho no estômago antes de um evento importante ou diante do ser amado. Não é segredo para ninguém que as emoções podem influenciar nossa digestão e, consequentemente, o estado de nosso estômago. A novidade revelada por esses estudos é que o estômago é também suscetível de influenciar nossas emoções. Essa descoberta se impõe como um grande avanço no tratamento de doenças digestivas e na compreensão do nosso funcionamento como um todo. 

     

    Link para o documentário (em francês): Le ventre, notre deuxième cerveau

     

     

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  • Commentaires

    1
    Diana Margarita
    Lundi 3 Décembre 2018 à 15:31

    Muito interessante esse tema! Já estou doida para ler a segunda parte do artigo, ler o livro e assistir ao filme! Obrigada pela dica!

      • Mardi 4 Décembre 2018 à 07:01

        Obrigada Diana! A segunda parte eu garanto. yes

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