• Falamos como passarinhosDesde que comecei a aprender outros idiomas, fico sempre atenta à pronúncia e modo de falar das pessoas, principalmente dos estrangeiros cujos idiomas compreendo. Aqui mesmo na França, onde moro há mais de vinte anos, mantenho essa prática com amigos e familiares. Observo, comparo, disseco o uso de expressões e termos específicos, não para julgar eventuais erros - não teria essa arrogante pretensão - mas para retirar, deles, particularidades que remetem à cultura de cada um, nacional ou regional. Como diz meu marido, é uma deformação profissional, pois não consigo deixar de analisar. Às vezes é mesmo cansativo.

    Porém, através desse comportamento, aprendi muito sobre nós, brasileiros. No contato com meus compatriotas que também moram no exterior, percebi o quanto sou carioca. Descobri as particularidades linguísticas, comportamentais e culturais dos que moram no Rio de Janeiro, inclusive através das reações de cada um diante dos hábitos franceses: alagoano, maranhense, goiano ou paulista, cada um revela um Brasil diferente diante do formalismo francês, do frio europeu, da alimentação e até mesmo do modo de se vestir, como essa amiga cearense que ficou com o pé todo ferido porque nunca antes, em sua vida, havia usado sapatos fechados, acessório obrigatório no inverno dos estados do sul. É realmente fascinante.

    Recentemente, ao ler "Como aprendi o português", de Paulo Rónai, um colega tradutor húngaro que emigrou para o Brasil nos anos 1940, pude vivenciar a sensação contrária ao entrar - um pouquinho - na pele do estrangeiro que aprende português, e que me levou a pensar no nosso idioma e no modo como o falamos, o que, diga-se de passagem, ajuda muito nas aulas de português para estrangeiros. 

    Rónai comenta que um outro húngaro que também havia se lançado na aventura de aprender o português, dissera-lhe que esta língua parecia "alegre e doce, como um idioma de passarinhos". Agradável comparação. 

    Nada sei sobre a língua húngara, idioma materno do autor do livro, mas pude entender, através de seu relato, que é econômico em vogais. Assim, surpreendeu-me sua analogia quando diz ter tido a impressão que o português era como "um latim falado por crianças ou velhos, de qualquer maneira gente que não tivesse dentes. Se os tivesse, como haveria perdido tantas consoantes?". E cita a esquisitice de palavras como lua, pessoa ou veia. Confesso que nunca havia pensado no nosso falar dessa maneira. Morri de rir. 

    Gostei tanto que achei que deveria compartilhar esse trecho com vocês, amigos, colegas e leitores do meu blog. Muitos outros trechos também merecem um post. É provável que Rónai apareça por aqui outra vez. 

     

    Como aprendi português e outras aventuras, Paulo Rónai, Casa da Palavra, 2013.

     

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