• Português ou brasileiro?

    Português ou brasileiro?Francês do Quebeque, francês da França metropolitana, francês antilhense, francês do norte da Africa, inglês britânico, inglês americano, inglês sul africano, português do Brasil, português europeu, português caboverdiano, e por aí vai. Não sou linguista, mas gostaria de levantar uma discussão sobre uma questão, provavelmente polêmica, com a qual tenho me deparado ultimamente. Como o título desse post indica, ela se refere à distinção entre o português e o brasileiro. 

    Tenho me perguntado a partir de que momento um idioma pode ser considerado autônomo. Quais são os critérios linguísticos, semânticos, culturais ou outros, que determinam que um idioma emancipou-se de sua língua-mãe, que começou a voar com suas próprias asas como um filho que se tornou adulto? O que é necessário para se determinar que uma língua deve tornar-se independente como um Estado que conquistou sua soberania? Não sei se tais critérios são mais ou menos complexos do que àqueles necessários para a construção de uma Nação, mas são garantidamente afetivamente tão dolorosos quanto à insegurança sentida quando se deixa o aconchego de um lar. 

    Que fique bem claro aqui que não estou reivindicando nada, nem defendendo nenhuma posição particular, mas levantando uma questão legítima e com sincera honestidade devido a situações vivenciadas no mercado de trabalho. É certo que deixar a comunidade lusófona seria sem nenhuma dúvida uma verdadeira revolução. Mas o fato é que profissionais sérios da área, agências, editoras ou os próprios clientes diretos que buscam qualidade e precisão têm, cada vez mais, distinguido as duas apelações como se fossem duas línguas distintas. Não sei se o mesmo ocorre com os outros idiomas que conhecem o mesmo percurso, alguém saberia dizer?

    Para ficar dentro do âmbito do meu modesto universo profissional, confesso que não pleiteio para ofertas de emprego pedindo tradutores de Português Europeu, como é comumente chamado. As poucas vezes que a distinção não era explícita, fui gentilmente recusada por ser brasileira. E as poucas vezes que timidamente pensei em fazê-lo fui logo dissuadida por um sentimento de ilegitimidade.  Afinal, não posso afirmar com grande convicção que teria competência para identificar todas as diferenças, sejam elas gramaticais, semânticas ou culturais que distinguem o português do Brasil daquele falado nos outros países lusófonos e, nesse caso particular, em Portugal. Mas elas existem e os que pretendem que essas diferenças são insignificantes revelam, na minha opinião, desconhecimento do fato. Sou ainda menos competente para falar das distinções, diferenças ou variações dos outros idiomas, mas já li em algum artigo que as diferenças entre o português do Brasil e o do Portugal são maiores do que entre o francês do Quebeque e o da França, ou do que entre o americano e o inglês da Inglaterra.

    Gosto de me sentir integrante da comunidade lusófona, sinto-me próxima de seus membros e somente quem já ouviu português em um continente tão exótico como o asiático, sentindo-se acolhida no meio de uma cultura tão diferente da nossa ao chegar em Macau e sentir-se "em casa" pode entender exatamente o que estou dizendo. Mas ao mesmo tempo, já ouvi em Portugal portugueses me dizerem "que eu falava bem o português" como se não fosse minha língua materna. E também já "traduzi", algumas vezes, conversas entre portugueses e brasileiros. Do mesmo modo que já conversei com amigos argentinos ou chilenos sem passar por intérpretes, cada um falando em sua lingua materna. Por essas e outras, por mais polêmica que seja essa questão e por mais que eu, pessoalmente, preferisse permanecer parte integrande dessa grande comunidade, pergunto-me até quando deveremos especificar "português do Brasil" em nossos CV's? 

     

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  • Commentaires

    1
    Vendredi 24 Octobre 2014 à 17:51

    Não me lembro quem disse que uma língua é um dialecto com um exército e uma marinha...


    Boa questão! Como você, eu posso conversar com um Francês da Europa, mas não sei porquê, não me sento legitimada a traduzir em francês da Europa, só do Québec/Canadá e, as vezes, em francês "internacional", se uma tal língua existe!


    Desculpe meu português e obrigada para seu post!

    2
    Samedi 25 Octobre 2014 à 12:42

    Olá Geneviève,


    Obrigada pelo seu comentário!


    Eu visitei sua página, temos algumas afinidades. Você estudou antropologia e reorientou sua carreira, como eu. Agradeço pelo interesse pelo meu blog e meus posts.


    Quanto à questão do francês "internacional", também não sei se existe, mas outro dia recebi uma oferta para tradução do francês tunisiense. Não sei se existem particularidades próprias ao francês do Magreb ou da Tunísia, preferi recusar. E pensei que quanto mais evoluo nessa profissão, mais percebo o quanto tenho a aprender.


    Um grande abraço


    Liineimar 

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    3
    Patricia GERVAIS-VOG
    Lundi 3 Novembre 2014 à 00:39

    Olà Lineimar, 

    como eu disse na recente discussão que vc evoca, eu sei bem que a lingua brasileira é a portuguesa, evidentemente, mas com um "molho" brasileiro : sotaques, palavras, expressões vindas de diferentes influenças e historias, segundo a região. 

    O mesmo para o francês, por exemplo do Québec, que é conhecido como vindo do francês da época de Louis XIV... e que tenho toda dificuldade para entender ! 

    O mesmo pelo arabe: viajei na Argélia. Eu não falo a lingua, mas me lembro que em alguns lugares, o meu amigo de là não entendia nada. 

    E italiano ! Do Norte, do Sul, mesmo a lingua, os nomes são diferentes, até na Sicilia, a Sardenha ou em Trieste. Basta ler literatura dessas regiões. 

    Etc. 

    E falando na lingua portuguesa, eu acho que a variedade das adaptações mostra a que ponto essa lingua é bela, fonte de uma riqueza linguistica, cultural sem fim. As vezes, eu ouço pessoas visivelmente vindas da Africa, e falando uma "espécie" de português. E isso faz bater meu coração ! 

    Quando eu digo que sou tradutora brasileiro-francês, é so para mostrar que estou mais acostumada à cultura brasileira (eu trabalho para pesquisadores, universitarios... de là), mas traduzi muito português de Portugal, e li muita literatura portuguesa que eu adoro. Como não gostar ? 

    E afinal, não é isso, a melhor homenagem à lingua portuguesa ? 

     

    4
    Lundi 3 Novembre 2014 à 09:09

    Olá Patricia,

    Eu também acho mais simples definir previamente. Pessoalmente, recuso trabalhos para o português europeu. Prefiro, por uma questão de honestidade, porque não sei a 100% quais são as diferenças ortográficas, embora a recente reforma tenha visado uniformizar a ortografia em todos os países de língua portuguesa. Eu me sentiria insegura ao entregar um trabalho sem convicção. Mas é uma questão muito pessoal, outros não pensam assim.

    Estive na cidade do Porto semana passada. Durante minha estada, fiquei pensando nessa questão das diferenças. Pude constatar que a língua culta realmente apresenta muito pouca diferença, a leitura de livros, de legendas em museus etc. Porém, na linguagem coloquial é outra história. Confesso que não entendia os cardápios dos restaurantes, são muitas as expressões particulares ao lugar. E quanto à língua falada, algumas vezes tive que pensar para entender embora no final a comunicação tenha sido feita completamente. 

    Tudo isso é muito interessante e, como você diz, é o que faz a riqueza do mundo, das trocas.

    Recomendei um livro a Maria Cristina na discussão do linkedin, creio que você o conheça, senão vale muito a pena lê-lo: Casa Grande e Senzala do Gilberto Freire.

    Obrigada pela sua participação.

    Um abraço

    Lineimar

     

     

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