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Desculpa qualquer coisa
Há alguns dias escrevi um post no qual eu dizia que estava aguardando a autorização da Folha de São Paulo para reproduzir um artigo escrito por Gregório Duvivier. Infelizmente não obtive a autorização, mas ainda assim gostaria de comentá-lo e recomendá-lo a todos. Para mim, esse texto é uma pequena jóia de descrição etnográfica que sintetiza com um humor inteligente a nossa alma brasileira.
Através de uma satírica tradução literal de expressões bem brasileiras para o inglês, Duvivier fala de nossos hábitos, nossos costumes, nossa política, nossa falta de pontualidade, de particularidades da nossa culinária, da nossa religião e crenças e também da nossa pretensa hospitalidade em apenas 31 linhas. Ele redige um texto com frases curtas que misturam português e inglês, mas em um inglês que somente os anglófonos que falam português e conhecem o Brasil entenderiam, como no último post que publiquei aqui.
Ele termina o texto com a muito brasileira e intrigante expressão "desculpa qualquer coisa", tão comumente usada entre nós, mas assaz desestabilizadora quando usada diante de amigos estrangeiros. Lembrei-me de quando minha amiga Helma, holandesa, veio me visitar, apesar de toda a minha tentativa de autocontrole, no momento em que ela cruza a porta na saída ao ir embora, deixei essa tão enigmática expressão escapar da minha boca (a força da cultura). Ela volta-se para mim com a testa franzida e um ar surpreso e pergunta: "Sorry about what?!".
Fez-me pensar. Em um país onde a regra é contornar a regra, onde predomina a Lei de Gerson, onde os limites da permissividade são constantemente redelimitados por cada um - unilateralmente, é como se essa expressão viesse coroar os eventuais abusos ocasionados pela flexibilidade existente nas regras de socialibilidade com a nossa histórica cordialidade proclamada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Ou seja, eu faço mais ou menos o que quero, do jeito que quero e no final, desculpa aí, tá tudo bem, afinal, em um país abençoado por Deus tudo acaba mesmo em pizza.
Não sei se essa expressão já foi estudada por algum pesquisador a exemplo daquela outra frase também muito difundida em nossa sociedade, "você sabe com quem está falando?", que Roberto DaMatta brilhantemente analisou em Carnavais, malandros e heróis. Se não foi, acho que ela merece um estudo. Enquanto não acontece, convido todos vocês à leitura do texto de Gregório Duvivier cujo link encontra-se abaixo. Puro deleite!
Texto do Gregório Duvivier na Folha de São Paulo
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