• O "mercado da arte" Beleza pura é, para mim, um grande paradoxo ou, mais ainda, uma antinomia revelada em sua própria sintaxe: os termos "mercado" e "arte" não deveriam aparecer juntos numa mesma frase, quiçá formar uma expressão. É evidente que os artistas precisam vender suas obras para viver, a pintura é uma profissão para além de uma vocação, e ninguém vive de sombra e água fresca. O que me incomoda é constatar no que o mercado da arte se tornou, transformando obras primas em objetos de especulação como uma vulgar ação financeira. 

    Não é segredo para ninguém que as obras de Van Gogh, que morreu pobre, discriminado, incompreendido de todos e sustentado por seu irmão, são negociadas nesse mercado a preço de ouro, enriquecendo mercadores de arte, mas não somente, pois comerciantes de diferentes tipos vendem canecas, canetas, posteres, imãs de geladeira, bolsas e quaisquer objetos imagináveis no qual se possa reproduzir imagens de seus girassóis, suas papoulas, seus campos de trigo, seus personagens e sua noite estrelada. 

    Essa última deu, inclusive, o título a uma exposição de som e luz que está acontecendo atualmente no L'Atelier des Lumières, em Paris, a qual eu tive o privilégio de assistir essa semana. Sei que não sou a única admiradora genuína desse grande artista, mas não tenho certeza absoluta se as milhares de pessoas que se amontoam nas filas diariamente desde que a exposição começou conhecem a vida e a obra do pintor ou se estão ali por modismo ou esnobismo. O fato é que o espetáculo será certamente apreciado em seu justo valor por aqueles que conhecem a história de vida, a trajetória, os états d'âme de Van Gogh, e principalmente, os lugares e personagens reproduzidos nas quinhentas telas que transcorrem, uma atrás da outra, em 360°, com um fundo sonoro que inclui a voz rouca de Janis Joplin. Fiquei, porém, extremamente decepcionada por não ter ouvido Vincent (Starry, Starry Night), de Don McLean, que descreve tão bem a alma e a obra do pintor, ela teria sido perfeita no enlace final, simultaneamente à noite estrelada. Esperei por essa música o tempo todo que finalmente não tocou, mas que esteve na minha cabeça do início ao fim.

    Felizmente a escuridão da sala escondeu as lágrimas que escorriam descontroladamente de meus olhos abugalhados diante desse gigantesco quadro em movimento. Saí de lá me perguntando o que teria me provocado tamanha emoção. A resposta é simples e límpida: tudo o que esse grande homem tinha em suas entranhas e soube, como poucos, externar com tintas e telas, formas e cores: a expressão de uma beleza pura.   

     

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  • Et si on partait au Brésil ?Suite à l'une des promotions réalisées autour de mon livre L'itinéraire sinueux d'une Brésilienne en France, j'ai reçu un message sympathique et amical d'une Alsacienne qui s'était expatriée au Brésil et avait, comme moi, écrit un livre sur son aventure exotique. Nos regards se sont probablement croisés quelque part sur l'Océan Atlantique, le mien étant évidement celui d'une Brésilienne qui vit en Alsace. Sous le pseudonyme de Lili Plume, elle raconte ses découvertes, rencontres et déboires dans le livre Et si on partait vivre au Brésil, ma chérie ? ". 

    C'est un livre plutôt surprenant pour l'anthropologue que je suis, toujours attentive à l'instauration d'une certaine distance vis-à-vis des groupes que j'observe, à l'établissement de ce que Lévi-Strauss appelait le regard éloigné : l'obsession d'une analyse sans jugement me hante et, je l'avoue, peut être parfois écrasante. Par conséquent, le parti pris de Lili Plume qui raconte son aventure sans distance, voire même sans pudeur, m'a paru rafraîchissant. Pour le dire autrement, son observation, son point de vue et ses remarques sont résolument ceux d'une Française confrontée à une culture étrangère qui exprime son étonnement, son épatement et son ahurissement aussi, aisément, sans chichis, rehaussés par une utilisation décomplexée de points d'exclamation, signe de ponctuation proscrit dans un texte académique. 

    Son appréciation de la société brésilienne est bienveillante sans être hypocrite. Lili Plume réussit à bien percevoir l'hédonisme dominant dans cette société spontanée et chaleureuse, plaisant pour les français qui peuvent parfois se sentir à l'étroit sous le poids de règles sociales qui circonscrivent clairement une manière de se comporter en société, mais aussi son débordement vers des attitudes qui révèlent un non-respect des réglés basiques d'un savoir-vivre certain : les énormes retards répétés, le manquement d'un engagement sans un avertissement préalable, les attentes interminables devant un service public défaillant et la banalisation d'une corruption quotidienne qui s'est malheureusement institutionnalisée et personnalisée dans la figure nationalement connue du despachante*.

    Son récit est présenté sous forme de biographie romancée, mais il est également très explicatif, comporte beaucoup d'informations pratiques sur les lieux visités, quelques explications historiques autour de certaines habitudes ainsi que la traduction de quelques mots et expressions en portugais. C'est une lecture qui unit l'utile à l'agréable si vous partez au Brésil sous le statut d'expatrié. Car, même s'il est certain que Lili Plume ne se laisse pas tromper par l'image joyeuse et colorée du pays qui lui est donné à voir, son expérience reflète la société brésilienne vue d'en-haut, celle que connaissent les expatriés occidentaux et que moi, carioca da gema** ayant vécu 30 ans au Brésil, ne connaissais pas. 

    Obs. : Le livre est illustré par Georgia Noël Wolinski.

    * le despachante est un intermédiaire entre un citoyen ordinaire et les organismes publics qui possède des passe-droit lui permettant de ne pas faire la queue moyennant beaucoup de reais

    * carioca da gema = les cariocas sont les natifs de Rio; la gema est littéralement le jaune d’œuf, mais l'expression carioca da gema désigne quelqu'un qui est né et vit ou a vécu à Rio en opposition à ceux qui vivent à Rio mais viennent d'ailleurs. 

     

     

     

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  • O binarismo brasileiroQuem me conhece sabe que sempre fui fã de filmes franceses. Quando morava no Rio, buscava as salas que os projetavam, geralmente nas Alianças Francesas ou em pequenos cinemas como o Estação Botafogo. Lembro que era difícil encontrar companhia para assisti-los, alguns amigos me diziam que os filmes franceses pareciam terminar sem um enlace final e que a moral da história não parecia clara. Pensei, então, que possivelmente essa dificuldade de leitura de um filme francês por parte dessas pessoas se devesse ao fato de, ali, não saberem exatamente para quem "torcer", pois, neles, não há bandidos ou mocinhos, vilões ou heróis. Eles refletem a vida real em que nós, miseráveis humanos, temos qualidades e defeitos, fraquezas e grandeza na alma. Desse lado aqui do atlântico, sabe-se que a visão simplista e maniqueísta do mundo na qual o bem e o mal estão devidamente identificados não existe na vida real, aceita-se que a natureza humana é falha, os personagens são mostrados em toda a sua complexidade, com nuances, questionamentos, dúvidas, próprios à natureza humana. Uma mesma pessoa pode exercer ações nobres e ter alguns momentos de mesquinhez; ela pode ser vista por um amigo como incrível, mas pelo seu chefe como incompetente; pelo seu cônjuge como uma amante liberal, mas pelo seu filho como autoritária. Ninguém é totalmente bom ou totalmente mau, tudo depende do momento, da perspectiva, do contexto ou da situação. E isso inclui posicionamentos diante da diversidade de conjunturas políticas.

    Como, por exemplo, o do presidente francês Emmanuel Macron diante do movimento social dos coletes amarelos, inédito em sua História, devido à ausência de um interlocutor e de reivindicações claras. Ele revela, contudo, insatisfações sociais profundas que vão além das medidas tomadas pelo governo atual, pois esse movimento questiona o sistema econômico-financeiro como um todo, o que ultrapassa as fronteiras nacionais. Ele tem gerado manifestações violentas, com deterioração do patrimônio cultural e muitos feridos. Porém, tanto no discurso do presidente Macron quanto no da população em geral, é feita uma distinção clara entre aqueles que reivindicam medidas justas em prol de melhorias na qualidade de vida, e aqueles que usam a violência como expressão. Separa-se, assim, objetivamente, o joio do trigo. 

    No Brasil as coisas não são bem assim. É um fato incontestável que a sociedade brasileira tenha se dividido em dois grandes grupos desde as últimas eleições presidenciais: os que se posicionavam a favor e contra o candidato Bolsonaro, distinção que se perpetua contundentemente mesmo depois da posse do presidente. É o próprio da democracia pessoas manifestarem seu apoio a candidatos diferentes. O que não me parece tão banal, é essa divisão se manter, hoje, sem modulações, sem distância, sem análise. Afinal, todos os cidadãos brasileiros deveriam estar unidos contra ou a favor de medidas adotadas pelo governo atual, independentemente da escolha do voto de cada um. Somos todos cidadãos brasileiros almejando o bem comum ou, vulgarmente falando, estamos todos na mesma canoa furada. Tenha-se votado ou não no atual presidente, as medidas adotadas em seu governo deveriam ser analisadas com base no benefício que ela deveria trazer para a sociedade como um todo. Mas não é o que está acontecendo. Essa dicotomia da sociedade brasileira, sem graduações, revela, para mim, o binarismo cultural que predomina em determinadas camadas da nossa sociedade.

    No sistema de pensamento binário dessa camada da sociedade brasileira, é necessário escolher um lado, identificar o bandido e o herói, precisa-se de vilões e mocinhos, sem os quais não se sabe para quem "torcer". Decidiu-se, então, que o bandido era o governo precedente e, consequentemente, tudo o que foi feito durante todos aqueles anos foi invalidado, os erros, mas também os acertos. Como diriam os franceses, jogou-se fora o bebê junto com a água da banheira. Não há separação entre o que foi feito de positivo para o país, não se considera dados estatísticos comprovados interna e externamente por órgãos apartidários reconhecidos internacionalmente, não há análise de fatos. Esse mesmo comportamento se expressa para aceitar tudo o que é feito pelo presidente atual, sem análise crítica das consequências de determinadas medidas, sem questionamento sobre que categoria social será beneficiada ou prejudicada por elas. Na continuidade desse raciocínio, a política é discutida como se discute um jogo de futebol, com e emoção e paixão. Mas o fato é que não se "torce" por um governo. A ideia de "torcer para dar certo" subentende a passividade do povo, a submissão do cidadão diante das ações governamentais, a aceitação sem reivindicação. O atos políticos devem ser analisados, questionados ou endossados, de acordo com o benefício que tais medidas trarão para a sociedade. Não se "torce" para um governo como se estivesse num fla-flu, cujo resultado final depende exclusivamente dos jogadores. No jogo político, o eleitor-cidadão tem um papel ativo e influencia no resultado final. Conceber a política como se o cidadão exercesse um simples papel de observador como um torcedor de futebol não considera que a instauração de um estado democrático é o fruto da racionalidade política. 

    Nenhum governo será perfeito, nenhum governo agradará a todas as categorias sociais. Contudo, é sabido que o estabelecimento de uma sociedade moderna é fundado na primazia do bem comum que deve se posicionar impreterivelmente acima dos interesses pessoais e particulares em qualquer governo, qualquer que seja sua orientação ideológica. Analisemos dados, fatos, medidas e suas consequências para além das pretensas intenções, para além dos discursos. A leitura do mundo deve ir além da ponta visível do icebergue. 

     

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